O que eu quero (Cirilo do Rosário Barbosa)
Não quero muita coisa.
Mas talvez por ser tão jovem
e insignificante,
o meu querer,
que é impossível saciá-lo.
Por exemplo, eu quero neste instante
estar junto dela,
ouvir sua voz doce e hialina,
oscular sua boca purpurina,
correr docemente
a mão pelos seus cabelos negros e sedosos,
e dizer-lhe ditos carinhosos.
Eu quero ouvir agora
o chilrar dos pardais
no fundo da floresta,
o sussurrar das águas frias
no turbulento rio.
Quero passear a cavalo,
galopar doidamente pela campina,
correr-lhe a mão pela crina,
e, carinhosamente, mimá-lo.
Quero ver o sol
luzindo no arrebol
de fresca manhã,
sentado ao pé da gameleira
que existe frente à fazenda,
observando a paisagem pitoresca,
e, em expressão dantesca,
transcrevê-la fielmente
em meus versos.
Estas coisas que quero
agora, neste instante,
embora insignificantes
para o mundo,
são-me de grande significado.
Por não poder tê-las
ao mesmo tempo ao meu lado,
fico triste, sinto-me frustrado.
Porém, quero outras coisas mais;
quero que sejam resolvidos até amanhã
todos os problemas sociais
que assolam a humanidade malsã.
Quero justiça aos humildes,
quero distribuição de riquezas,
a abolição da propriedade,
quero mais compreensão e honestidade
da parte dos chefes de Estado;
quero maior compreensão e carinho
da parte dos pais e educadores
para com a juventude;
quero que esta não perca a razão,
e siga o reto caminho.
Enfim, quero uma humanidade
mais unida, mais compreensiva,
uma sociedade mais justa
e sem preconceitos,
para que o homem possa ser
realmente a perfeita imagem do Senhor,
o retrato fiel do amor.
Mas creio que meus desejos,
todos meus sonhos, vão por terra,
pois enquanto houver um Kennedy,
um Luther King, um Jesus Cristo,
que sejam assassinados
simplesmente porque encerra
sua alma profundo amor
pela humanidade inteira,
cabeças rolarão exangues por terra,
em triunfo dos maus sobre os bons,
e a comunidade humana
não gozará de sossego e paz;
não encontrará progresso espiritual,
que é o de que o mundo tanto precisa
e o homem caminhará casmurro
pelos séculos afora,
exterminando e calcando sob os pés
seu próximo vilipendiado,
que devia ser por ele amado,
mas, pelo contrário,
é maldito e amordaçado.
03 de setembro de 196 … De ontem não anotei nada em meu diário. Tanto porque estava deveras abatido, como porque
N.B.
Com este texto de meu irmão Cirilo, que deve ter sido escrito em 1964/65, retomo o blog. Cirilo tinha o dom poético, teria sido certamente um grande escritor (poeta, dramaturgo, romancista), mas a doença (esquizofrenia) o pegou quando tinha 17/18 anos. Foi um choque para toda a família. Eu já tinha vindo para o Rio com a finalidade de continuar meus estudos.
Meus pais fizeram por ele o que na época estava a seu alcance. Resolvemos trazê-lo para o Rio, onde ficou internado por um ano no IPUB (Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, hoje UFRJ). Voltou para Araguari, mas a doença voltou e tivemos que interná-lo novamente. Passou muitos anos no IPUB, esteve também vários anos na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo (hoje desativada), em Paracambi, também da Dr. Eiras, esteve 05 anos em Uberaba, onde morava meu irmão João, que sempre teve enorme carinho por ele no período em que ele lá esteve. Esteve em outra Casa de Saúde em Botafogo. Enfim, passou a maior parte de sua vida internado. Em 1994, fui informado pelo médico que era responsável por ele na Casa de Saúde Dr.Eiras (ele já estava num quarto, que dividia com outro paciente: metade era bancada pelo Governo Federal, metade pela família) que ele estava se recusando a se alimentar. Logo entendi que era a forma de protesto dele, conversei com minha mãe, que na época morava num apartamento no Cosme Velho. Pedi a ela que ficasse com ele até que eu encontrasse alguém que pudesse ficar com ele (minha mãe, já idosa, não tinha condições de ficar com ele). Perguntei à Geralda, ex-empregada de meu irmão José se ela aceitava tomar conta dele. Ela, então, o acolheu em sua casa, em Imbariê; lá eu ia visitá-lo, apanhava-o mensalmente para acompanhamento médico (no PINEL), levava-o de volta para a casa da Geralda. Foi nesse meio tempo que meu cunhado José Luiz Guedes, que gostava muito dele, resolveu levá-lo para Juiz de Fora. Ele ficou na casa do Zé Luiz, para onde minha mãe tinha ido morar. Isso durou enquanto minha mãe viveu (faleceu em 2007). Em 2011, arranjei uma família que aceitou acolhê-lo na casa deles. E lá morou até o início de março de 2014. Em março, foi morar com o casal Guedes, vindo a falecer no dia 21 de abril de 2014.
Esse é um pequeno resumo da história de meu irmão, a quem eu venerava e respeitava, e a quem presto minha homenagem com o pouco que restou de sua produção.