21/09/2012 — Reflexões sobre o termo gramática

O ser humano, segundo a teoria gerativista, ao nascer, tem seu cérebro dotado geneticamente para o aprendizado de qualquer língua. Para tanto, basta que essa dotação genética seja ativada no meio em que ele esteja inserido. A partir de determinada idade, a criança internaliza as regras da língua de seu meio circundante, sem que ninguém lhe ensine. O domínio das regras gramaticais da língua nativa se processa naturalmente, primeiro através da expressão oral, depois através da escrita.

Lamentavelmente, há aqueles que não chegam a dominar a expressão escrita — são os analfabetos. Que língua falam os analfabetos? — Falam a língua na qual estão inseridos. Que modalidade de língua falam os analfabetos? — Eles apenas se valem da modalidade oral, variando a sua fluência linguística, conforme sua vivência e convivência com outras pessoas. Suponhamos que o analfabeto tenha nascido no Brasil e se expresse em português. E se ele se expressa em português, ele fala português. O analfabeto, então, possui uma gramática. É evidente que as regras gramaticais que ele internalizou não são as do português padrão, do português culto. Ele dirá certamente “déis real”, “nóis sofre”, “nóis viu ele” etc.

Quando, pois, se usa o termo gramática, cumpre ter em mente outras concepções que não só as da gramática normativa.

Na visão gerativista, gramática é um sistema de regras que relaciona o som e o significado de uma dada sentença. Cabe ao linguista, ao estudioso, ao gramático (note-se que gramático aqui passa a ser sinônimo de linguista) explicitar para o falante de uma língua as regras que subjazem na mente desse falante, pois o mesmo não tem consciência explícita dessas regras. O papel do linguista, então, é explicitar essas regras que estão na mente do falante.

Na visão tradicional, o termo gramática é entendido como o conjunto de regras do bem falar e do bem escrever. É um tipo de visão que privilegia apenas uma das variedades da língua, a norma culta ou padrão. Ocorre, no entanto, que o modelo de gramática tradicional se limita a rotular os fenômenos linguísticos, sem lhes dar uma explicação satisfatória.

Na visão tradicional, as regras ficam subentendidas, implícitas, elas não são explicitadas, porque, conforme já foi comentado, o que importa é a classificação, o rótulo.

No modelo gerativo, aparentemente mais complexo — e a língua é um fenômeno altamente complexo! —, há uma explicitação das regras internalizadas e utilizadas pelo falante. A limitação do outro modelo, o tradicional, impede essa explicitação. Ele apenas, como foi dito, rotula os fenômenos, uma vez que trabalha só com as estruturas visíveis. Daí, frequentemente, o tédio que se abate sobre o estudante, que se recusa a decorar regras para as quais não encontra uma explicação satisfatória.

Cabe perguntar por que o homem comum não consegue expressar-se segundo o modelo recomendado em nossas gramáticas escolares. A questão básica, a meu ver, está no fato de que a expressão linguística, em sua forma considerada culta, depende de aprendizado escolar, uma vez que a aquisição da linguagem se dá mediante mecanismo natural: ninguém precisa ensinar uma criança a falar. A internalização das regras da língua materna se dá na idade de três/quatro anos. O ambiente familiar, a escola de boa ou má qualidade é que permitirão à criança a aquisição de variantes, que lhe fornecerão os meios necessários para sua expressão. Daí, portanto, a necessidade de se ter uma estrutura familiar com recursos capazes de oferecer à criança os instrumentos necessários para o seu pleno desenvolvimento. Tendo uma base familiar sólida e escolas de boa qualidade, a criança terá necessariamente um desempenho linguístico que lhe permitirá um dia ler um Camões, um Fernando Pessoa, um Machado de Assis e outros autores que se notabilizaram por sua expressão artística.

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