Observem-se os seguintes dados: esse, fuisse; essem, fuissem; eram, fueram, em que esse é o infinitivo presente, fuisse, o infinitivo perfeito, essem, o imperfeito do subjuntivo, eram, o imperfeito do indicativo e fueram, o mais-que-perfeito do indicativo.
Em esse encontra-se o radical es- e o sufixo -se do infinitivo. Esse mesmo sufixo -se se manifesta na forma fuisse, em que o radical é fu-, acrescido do elemento -is-, encontrável em todas as formas do perfectum, à exceção da 1ª e 3ª pess. do sg. do perfeito do indicativo e a 1ª pess.pl. do mesmo tempo.
Também em fuissēs ele pode ser visualizado: fu- é o radical, -is-, o elemento acima mencionado, sē, o sufixo modo-temporal e -s, a desinência número-pessoal. Sua segmentação é, pois, fu+is+sē+s. Note-se que o -sē-, que aparece em fuissēs, é o mesmo de essēs - es-sē-s. Já em fuerās, o sufixo modo-temporal é -ā-, presente também em erās - er-ā-s, precedido do mesmo elemento -is-, alterado para -er-. É que houve aqui a aplicação de duas regras fonológicas. Uma é a que diz respeito à mudança do s para r, como se pode verificar nos dados abaixo: flōs, flōris; est, erat; cinis, cinĕris; corpus, corporis; opus, operis etc.
Essa regra pode ser visualizada da seguinte forma:
(1) s -> r / v-v (r se transforma em r, no contexto entre vogais).
Sendo -sĕ o sufixo do infinitivo (cf. es-sĕ), a regra acima especificada aplica-se, evidentemente, a *amāse, *monēse, *legĕse, *capĭse, *audīse, que se apresentam como amāre, monēre, legĕre, capĕre, audīre, respectivamente.
A outra regra é a do abaixamento do i para ĕ antes de r. Vejamos: cinis,cinĕris, capis, capĕris. Deve-se acrescentar que essa mudança do ĭ para ĕ só é possível quando a vogal é breve, pois se o i fosse longo não haveria mudança, conforme se pode verificar em audīs, audīris, em que o i permanece, já que é longo. Cumpre, aliás, lembrar que apenas as vogais breves latinas aceitam mudanças fonológicas, seguindo, pois, a regra acima mencionada o padrão de mudanças fonológicas da língua latina.
A formalização dessa segunda regra pode ser vista da seguinte forma:
(2) ĭ -> ĕ/ -r (i breve muda para e breve, antes de -r).
Tem-se, pois, para fuĕrās, a forma subjacente *fuisās, que se apresenta como fuĕrās, após a aplicação de (1) e (2), nessa ordem, ou seja, depois de (1) obtém-se *fuirās, e de (2), fuĕrās.
Em fuĕras, portanto, temos o radical fu-, o elemento -is- alterado, o sufixo modo-temporal -ā-, o mesmo, aliás, presente em erās, proveniente de *es-ā-s.
Verifica-se, como já dissemos, que todos os tempos de perfectum, com excecção de algumas pessoas do perfeito do indicativo (especificamente, a 1ª e 3ª pess.sg.) apresentam o elemento -is-, que, combinado com as marcas modo-temporais ĭ, do futuro imperfeito, ā, do imperfeito do indicativo, ī, do presente do subjuntivo, sē, do imperfeito do subjuntivo, do verbo esse, formam, respectivamente, o futuro do perfectum, o mais-que-perfeito do indicativo, o perfeito do subjuntivo e o mais-que-perfeito do subjuntivo. Cumpre, no entanto, acrescentar que na 1ª pess. do sg. do futuro do perfectum a marca do tempo não se atualiza. Assim, temos fuĕrō, proveniente de *fuĭsō.
Archibald Hill, em Introduction to linguistic structures, p. 467-468, vê em amauerim, amaueram, amauero, amauissem, respectivamente, um alomorfe ue/uis. O equívoco dessa análise consiste em interpretar os elementos -we- e -wis- como elementos formadores do perfectum. Ora, em amauissēs, por exemplo, temos o radical de perfectum amāu-, seguido do morfema -is-, mais o sufixo modo-temporal -sē-, seguido, por sua vez, da desinência número-pessoal. Já em amauĕrās, o que ocorre é a mudança do s para r e o consequente abaixamento do ĭ para ĕ. Sua representação subjacente é, pois, *amauĭsās, que se atualiza em amauĕrās.
É surpreendente como a língua funciona na articulação de seus elementos internos. Cabe ao estudioso descobri-los e explicitá-los, o que tentamos mostrar no presente trabalho.